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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A PERDA DA AURA

O poeta precisa retratar um tempo 
que carece de significação.
As coisas lá fora nunca foram tão confusas.
Amanhã, talvez, haja revolução: mas já não é
mais nada. O novo emprego: apenas o próximo.
A nova retórica: lançamento feroz do mercado.
Irmão das sensações táteis e olfativas,
dos vícios e perdições, o vazio toma conta
das cabeças e dos bolsos. Meu coração
emudece diante das cifras
e o poder que elas têm.
Meu peito pergunta, em ardência,
A importância das questões últimas,
elementares, fundamentais,
para um sujeito de vida tão comportada,
tão na dele. Meses eram anos. 
Mas o tempo hoje, embora inacabável, é tão...
Insuficiente: a vida sempre no marca passo,
tateando a linha tênue entre
a realização - sempre efêmera
e a derrota - nunca transformadora.
Aquele autor que lemos ontem,
esqueça-o, meu amigo. Há outro melhor hoje.
E também o passeio que prometemos - lembra? - 
já não faz mais sentido.
Haverá, ainda,
a necessidade de se fazer planos?
Ou a possibilidade de realizá-los?
As respostas para a dor, nessa pós-utopia,
são complexas; logo, dão preguiça.
Parece ser mais fácil ficar aqui
Nas sensações táteis e olfativas
que embriagam por toda a vida
Um homo sapiens.

Rafael Cardoso


domingo, 15 de setembro de 2013

VIZINHOS

A casa em que mora meu ser
Anda cheia de vizinhos.
Eles se perguntam se vale a pena investir
em mais um jovem magro e tímido.
Sem contar que é indeciso.
Os meus vizinhos, quase não os vejo.
Aparecem de repente, digo-lhes palavras que 
com certeza não pensei.
A minha casa é rodeada de vizinhos
que não sei quem são, muito menos
se posso com eles contar por algum tempo.
Sabe, eles vivem se mudando...
Assim é difícil amizade.

Rafael Cardoso


sábado, 14 de setembro de 2013

DEPOIS

Antes de tudo, a noite.
Depois da maré, a manhã.
Teu coração não acorda
E já corre pelos vales
Tentando viver de novo.

Tardes no Sol, suor no rosto,
o gosto pelo ser, o pão que sacia.
Saudade: palavra que diz tudo.
O resto são adornos ao essencial.
Se perder no infinito das coisas,
que prazer! Dividido com todos
e contemplado bem discreto.
A tempestade, se vinha, era sinal
do Sol, já previsto após a maré.

Agora essa paz, que é mais marasmo
que satisfação, mais indiferença que
definição, essa paz me deixa tonto
depois de tanto e tudo.
Antes de mais nada, a noite.

Rafael Cardoso