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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Memória Escrita I

Algum lugar entre Varsóvia e Rio Vístula, 21 de setembro de 1944

Hora de voltar para casa. O tormento já passou, mas a amargura ainda corrói o peito. Eu não gostaria de voltar para casa. As pessoas que eram para estar lá, as pessoas que me amavam, não se encontram mais naquele casebre longínquo da cidade. Eu sinto fome e sinto frio, contudo a falta de mamãe é a que mais me dói e incomoda. Tenho medo de saber o que ocorrerá mais para frente. Papai dizia que eu era o futuro do país, mas não me sinto tão importante agora. Minha roupa está aos trapos e manchada de sangue. Sangue que não é meu.
A chuva molha meu corpo cansado de cavar as covas. Dezenas de pessoas morreram hoje... e tudo em apenas um instante. Eu tenho sorte e tenho azar. Tenho dor e um fiasco de esperança. Talvez isso seja o suficiente, talvez não.
Eu repito que não queria estar voltando para casa, mas lá é o único abrigo que eu tenho. Talvez a comida de lá não esteja estragada. Talvez os ratos foram bondosos comigo e deixaram minha parte para quando eu voltasse... Mas não acredito nisso, pois custei aceitar que eu era a única que sobrou. Talvez pelo meu tamanho, talvez pela minha agilidade... Mas com certeza foi, na maior parte, o amor da minha familia que me salvou... Eles eram bons para mim, mas agora eles viraram a poeira que assola a cidade, as ruas, as estradas, as fazendas, as florestas e que se dissolve no mar. O vento será o melhor companheiro que eles encontrarão, mas isso não fará diferença para eles.
Sinto meu rosto salgar. De suor e lágrimas, mas sei que não posso parar por aqui. Falta muito pouco, eu vou conseguir...

§§§

Finalmente estou aqui, no casebre feito de madeira. A casa antes quente está gélida e meu corpo começa a tremer. Tenho que me defender do frio, mas às vezes a defesa não é suficiente, sendo necessário enfrentá-lo. Melhor eu ir pegar uma roupa empoeirada e tirar essa que está grudando na minha pele, extremamente molhada pela chuva. Não tenho lenha para me aquecer, mas saberei usar o machado velho de papai quando o sol voltar. Tudo que eu quero é descansar por enquanto... Cada músculo está fatigado e cada nervo reclama de dor. Os olhos pesam e a mente também. Espero que eu tenha uma boa noite de sono, pois o dia foi terrível. Polvoroso.

Presea Blumska.

Lucas de Figueiredo

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