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quarta-feira, 23 de março de 2011

Sobrevivendo ao acaso - II

Tudo começou quando a vizinha da rua de cima morreu de dengue.
Dengue era uma doença transmitida por um mosquito, mas até onde eu sei, tem cura. Infelizmente a moça não teve tanta sorte assim.
Duas semanas depois foi quando tudo começou, me lembro quando eles disseram que tinham que dedetizar nossa casa.
Estava sem dormir havia dois dias, a televisão me distraia e finalmente estava sentindo as endorfinas em meu corpo dando alguma reação, o sono estava chegando, pois sentia minhas pálpebras ficarem pesadas, foi quando tocaram a campainha.
Minha mãe atendeu prontamente, mas eu não estava com ânimo algum para ver do que se tratava, os olhos fixos mais no sono do que propriamente na televisão, mas era uma boa desculpa para fingir estar atenta a algo.
Minutos depois ela veio até mim, achei que iria perceber meu sono e me mandar ir pra cama, mas muito pelo contrário, mandou eu me arrumar porque viriam dedetizar a casa.
Ótimo, agora estavam me expulsando da minha própria casa.
Me arrumei e sai, acho que pelo fato de meu sono estar grande não notei muitos detalhes, apenas observei um homem com roupa de astronauta entrar com uma grande mangueira em casa.
A lei era esperar meia hora do lado de fora por causa do veneno que era muito forte.
Percebi que toda a vizinhança estava do lado de fora enquanto eles estavam do lado de dentro, supostamente dedetizando as casas.
Toda aquela movimentação era para prevenir todos os humanos de não morrerem como a infeliz da rua de cima.
Vários cães também estavam do lado de fora, junto aos seus donos. Eu estava com a minha boxer presa a coleira, do outro lado da rua com cara de poucos amigos. Estava morrendo de sono, e percebi o quanto as pessoas me observavam, estava um dia quente e eu estava vestindo um sobretudo de lã cinza, dentro de casa estava frio, e mesmo fora eu me mantinha com frio, minha temperatura corporal normal era gelada, o que para mim era reconfortante, considerando que não gostava de calor.
Mas aqueles olhares estavam me irritando mais do que qualquer calor de 50º graus.
Resolvi dar uma volta com minha cadela pelo quarteirão, voltaria daqui meia hora e iria direto pra cama.
Descobri depois de muito tediar pela vida que quando fazemos algo que gostamos, como ouvir música ou se distrair, o tempo passa mais rápido, mesmo que seja algo ao qual não gostamos, se estamos pensando, ele acelera, ou nós que não reparamos em nada, não sei ao certo, a questão é que meia hora depois estava de volta. Tudo ao normal, fui dormir.
Não percebi, mas quando acordei, já era nove horas da noite, tudo estava muito escuro e muito silencioso. Me levantei e como era rotineiro, fui ao banheiro ficar com uma aparência mais agradável.
Foi quando sai e dei de cara com algo estranho que percebi o grande erro de tudo aquilo.
Minha mãe, minha doce e amada mãe me olhava com olhos de quem está com fome, fome de algo que não pode saciar.
Sua boca escancarada mostrava seus grandes dentes pontudos e afiados, sua mão automaticamente tentou me agarrar e tive que dribra-la para fugir.
Corri para fora de casa e percebi que as luzes dos postes estavam apagadas, minha visão estava péssima naquela escuridão, ainda mais por ser míope e estar sem o óculos.
De repente um clarão do além surgiu e percebi algo vindo em minha direção, comecei a correr, trombando em coisas que acredito que fossem pessoas.
Barulhos monstruosos e horripilantes ao fundo se aproximavam e senti um forte vento me atingindo as costas.
Corria o mais rápido que conseguia, mas nada adiantava, eles estavam se aproximando cada vez mais rápido.
Avistei o final da rua e percebi que ainda existia luz naquela região, forcei o corpo até chegar ao local, poderia pelo menos avistar o que estava se passando com um pouco de claridade.
Ao chegar de baixo do poste de luz laranja que percebi que todos estavam parados, naquela escuridão, curvados e rosnando, mas não ousavam se aproximar para a luz, aparentemente aquilo devia lhes fazer mal.
Estaria eu segura naquela região?
O que teria acontecido com todos? Por que nada me aconteceu?
Percebi que ainda existia luz pela esquina toda, e tudo estava calmo demais.
Segui rumo à praça logo à frente, de manhã, com claridade natural eu iria ver o que de fato tinha ocorrido, estava assustada demais com tudo aquilo.
Não conseguia entender o que se passava, mas iria descobrir, sem dúvida que iria.

J.H.C

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