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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Choque de civilizações dentro e fora dos países

Para muitos, lidar com as diferenças ainda é tabu. Suprimi-las é o ideal?

A prática denominada bullying existe há muito tempo, mas só agora recebe nome. Nas escolas, alunos ofendem colegas que, na visão deles, possuem “defeitos” físicos e/ou mentais, podendo causar graves problemas emocionais. Na internet, o cyber-bullying: grupos e pessoas fazem comunidades criticando seus inimigos. Através dos sites de relacionamento, até marcam encontros para um combate corpo a corpo. Recentemente, um cruzeirense foi morto por torcedores do Atlético Mineiro, o time rival. Evidencia-se um aumento da intolerância às diferenças do próximo em diversos seguimentos da comuni-cação social.
É interessante. Na atual sociedade – globalizada, informatizada e dinâmica – temos cada vez mais acesso a informações do mundo inteiro, distâncias se encurtam. As pessoas deveriam estranhar culturas distintas? Está mais difícil viver isolado socialmente nos grandes centros urbanos. Podemos ainda, porém, nos tornarmos uma “ilha”?
Sim, mas agora nós chamamos amigos para ela, nosso mundo particu-lar, e ficamos alheios a todo o resto. A variedade de opções culturais não tem sido acompanhada de uma eventual tolerância das nações àquilo que é novidade. O que dizer, por exemplo, do fundamentalismo islâmico, machista e retrógado?
As etnias não deram as mãos, têm medo de perderem sua identidade. Até dentro de um país as disparidades podem ser gritantes entre a população: língua, tradições, forma de pensar, tudo varia conforme a região. A falta de respeito a essa diversidade é o problema principal. Vivemos um choque de civilizações.
A ONU, as ONGs e diversas constituições democráticas pregam a igualdade de direitos entre as pessoas. Não é novidade que a prática não segue a teoria. Assim, milhões de homens e mulheres vivem à margem da sociedade devido a disparidades econômicas, sendo discriminados dentro de sua própria pátria.
Então o ideal seria moldar as culturas, pensam dezenas de corporações espa-lhadas pelo globo. Desse modo, as exigências do mercado seriam ditadas por elas: menos específicas e, portanto, menores. Os consumidores tão somente seguiriam o restante da massa. Teriam fim os conflitos ideológicos, certo?
A unificação das culturas – o que geralmente significa a supressão de uma por outra – não deve ser motivada. Ela busca apenas incentivar a paranoia do consumismo. No entanto, as corporações que citei descobriram que nenhum ser humano é absolutamente igual aos demais. Mudaram de plano: disponibilizam vários produtos culturais, moldando a sociedade e dividindo-a em “tribos”. A luta entre elas enfraquece o sujeito que não se identifica com nenhuma. Então escolhemos (ou somos influenciados a): ser roqueiro, funkeiro ou pagodeiro, por exemplo. Se roqueiro, metaleiro ou emo? O importante é pertencer a um grupo. Você tem que gostar de música, senão é esquisito.
Quantas são as mulheres que tem tendência a serem magras? Quantos homens podem ser altos e fortes? Quem não consegue atingir o padrão costu-ma se sentir mal. A liberdade individual vem sendo desestimulada pelos meios de comunicação por fatores econômicos. Por isso, a psicologia é a profissão do futuro.
A mídia vende tantas ideias... Poderia ao menos oferecer esta: todos nós somos igualmente diferentes. Por que, na escola, as matérias dividem-se entre humanas e exatas? Porque em português (humanas) duas respostas totalmente diferentes podem estar igualmente corretas! Em humanas, dois e dois nem sempre são 4. Ora, a humanidade é complexa, cheia de particularidades.
Pode ser difícil aceitar o que não conhecemos bem, mas tolerância é fundamental aos povos. Com ela, os estádios de futebol estariam sempre cheios, desfrutando a alegria de um esporte sem violência. DJs e metaleiros poderiam, quem sabe, serem bons amigos. Protestantes e católicos não brigariam até a morte na Irlanda do Norte. Teríamos o mundo imaginado por John Lennon, assassinado há exatos 30 anos, por Martin Luther King e tantas outras pessoas que lutaram e conseguiram: o hoje não é tão ruim como poderia ser.
Não é necessário revoltar-se contra o “sistema”, é só não se tornar refém dele. Que tal pensarmos no futuro? Nada utópico. Apenas pare de se queixar porque seu vizinho usa azul e você, vermelho. O que fará toda a diferença será simplesmente respeitá-la, a própria diferença.

Rafael Cardoso
15 de dezembro de 2010

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